Eu estava na porta de casa, saindo para o aeroporto, com as malas na mão, quando senti um aperto no peito.
Nessa época, os meninos ainda tinham 7 meses. E eu tinha acabado de parar de amamentar. Foi minha primeira viagem sozinha depois que me tornei mãe.
Viajei chorando e chorei lá todos os dias.
Eu não queria ir naquela viagem. Era Fashion Week em Paris – na época, eu trabalhava numa loja incrível e havia sido convidada para participar da viagem de compras.
Sim, era importante para a minha carreira. Mas não era importante pro meu coração que estava em pedaços.
Não tive coragem de dizer não. Pra falar a verdade, eu era insegura. Eu engolia o que queria para tentar ser o que esperavam de mim.
Eu me atropelava por medo.
“E se eu for demitida?” “E se pensarem que eu não sou responsável?”
Pouco tempo depois desse episódio, eu pedi demissão. Decidi que queria ser livre para escolher quando valia a pena ficar ou não longe dos meus filhos.
O manual invisível que ninguém pediu
“Quando nasce uma mãe, nasce uma culpa.”
Será mesmo?
Penso que quando nos tornamos mães, ganhamos um sensor de “má maternidade”: uma mistura confusa e complexa de expectativas sociais e cobranças internas que habitam o coração de quase toda mulher.
A maternidade vem com um manual invisível, escrito pelas mãos dos outros, que ninguém pediu, ao qual todas nós nos submetemos. |
E nesse manual, a principal regra parece ser: “uma boa mãe se anula”.
É como se qualquer outro papel ao qual nos dedicamos roubasse nosso mérito como mães.
Quem escreveu isso? Por que compramos essa ideia?
Culpa ou medo disfarçado?
Quando falamos sobre a famosa “culpa materna”, na verdade estamos falando de um fenômeno com várias camadas.
Há algo ali que é realmente culpa: aquela sensação de que estamos fazendo algo errado ao cuidar de nós mesmas.
Mas há também muito medo disfarçado de culpa.
- Medo do julgamento das outras mães no grupo do WhatsApp
- Medo da sogra que comenta “nossa, vai viajar sozinha?”
- Medo do olhar de reprovação da sua própria mãe
- Medo de ser vista como “menos mãe” por ter desejos além da maternidade
Percebe que são coisas diferentes?
A culpa olha para dentro e questiona nossos próprios valores. | O medo do julgamento olha para fora e se preocupa com a validação externa. |
E no final, o pior tribunal não é o dos outros, é o que montamos dentro de nós mesmas.
Como diferenciar entre culpa de verdade e medo de julgamento?
A culpa é o que você sente quando age contra algo que considera importante, seus valores.
Mas aqui está a questão: você precisa reconhecer quando esse valor é realmente seu ou algo que veio de uma construção social que você absorveu sem questionar.
Muitos dos nossos valores foram construídos com base em como fomos criados e socializados.
Uma mulher que foi ensinada desde pequena que a maternidade deve vir acima de tudo pode se sentir culpada por querer priorizar a carreira ( mesmo que esse desejo de trabalhar venha da sua essência.)
O medo do julgamento é mais direto: é o que surge quando você teme o que os outros vão pensar sobre sua escolha.
O medo de julgamento vem de fora, quando você teme a opinião dos outros sobre suas escolhas.
Se você consegue identificar essa diferença, já está no caminho para se libertar. Porque, na maioria das vezes, o que sentimos não é culpa de verdade… é apenas o medo do que vão pensar ou dizer.
O paradoxo da maternidade
Essa confusão entre culpa de verdade e medo do julgamento se torna ainda pior porque a sociedade coloca as mães em uma posição impossível. Olha só este paradoxo:
“Seja uma mãe presente e dedicada 24 horas, mas mantenha sua independência.”
“Priorize seus filhos acima de tudo, mas não perca sua identidade.”
“Lembre-se que a maternidade é a função mais importante da sua vida, mas não deixe que seja a única.”
Como é possível atender todas essas expectativas tão contraditórias?
Não é.
E é justamente nessa impossibilidade que nasce o terreno fértil para a culpa e o medo do julgamento.
Há alguns anos, quando decidi retomar minha carreira com força total, mesmo tendo filhos pequenos, ouvi de uma pessoa próxima:
“Já pensou que seus filhos vão crescer e você vai perder momentos importantes com eles?”.
Devo confessar que aquela frase ficou martelando na minha cabeça. Me perguntei se estava sendo egoísta ao ir atrás dos desejos e dos meus sonhos.
A culpa me consumiu por semanas.
Mas o que ninguém diz é que uma mãe que persegue seus sonhos ensina pelo exemplo, não pela ausência. |
Vamos ser sinceras… o que seus filhos realmente perdem quando veem a mãe realizada, feliz e completa?
Talvez percam a chance de crescer acreditando que maternidade é sacrifício, e ganhem a oportunidade de entender que é possível ser mãe sem deixar de ser mulher.
De onde vem essa culpa?
Esta contradição não é por acidente, essa culpa não nasce com a gente. Ela é construída, tijolo por tijolo, desde que anunciamos a gravidez e começamos a receber opiniões que nunca sequer pedimos.
Veja de onde vem a culpa:
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A culpa materna tem menos a ver com suas escolhas e mais com um sistema que lucra com mães inseguras.
Pense nisso: uma indústria inteira prospera vendendo soluções para “mães imperfeitas”. Produtos, cursos, livros… todos prometendo nos tornar “melhores mães”.
O mercado da culpa materna movimenta bilhões.
O medo do julgamento é real (e tóxico)
E esse sistema se sustenta através do julgamento.
Essas frases soam familiar pra você?
- “Vai mesmo deixar seu filho na escola período integral?”
- “Ainda amamentando? Já não está na hora de parar?”
- “Você não amamenta mais? Por que não tenta mais um pouco?”
- “Voltando a trabalhar tão cedo?”
- “Ainda não voltou a trabalhar?”
Toda decisão de uma mãe parece aberta a palpites, julgamentos e críticas.
E não são só as pessoas próximas… são também desconhecidos no supermercado, seguidores nas redes sociais, a colega do trabalho que nem tem filhos.
E o mais difícil: muitas vezes, as maiores julgadoras são outras mães.
Por quê?
Porque quando uma mãe faz diferente de nós, automaticamente questiona nossas escolhas.
Se ela pode trabalhar 10 horas por dia e ser uma boa mãe, o que diz sobre mim que larguei o emprego?
Se ela viaja sozinha e os filhos ficam bem, por que me sinto tão culpada por querer o mesmo?
O julgamento entre mães geralmente vem do medo de termos feito as escolhas erradas.
Mas sabe o que é libertador?
Perceber que não existe “a escolha certa”… existem escolhas diferentes para mães diferentes, com filhos diferentes, em contextos diferentes. |
Como lidar com o julgamento de outras mães?
Primeiro é entender que julgamentos geralmente refletem inseguranças alheias, não suas falhas.
Estabeleça limites claros sobre que opiniões você aceita e busque comunidades de mães que se apoiam em vez de competir.
Quando você percebe que o julgamento do outro diz mais sobre quem julga do que sobre você, a pressão começa a diminuir. Porque não é sobre você… na verdade, nunca foi.
Uma pergunta que pode libertar
Então, como escapar dessa armadilha? Para diferenciar entre culpa de verdade e medo do julgamento, faça esta pergunta:
“Se ninguém nunca soubesse dessa decisão, eu ainda me sentiria mal por tomá-la?” |
Se a resposta for não, você não está lidando com culpa, mas com medo do julgamento alheio.
Quando viajei sem os meninos pela primeira vez, fiz essa mesma pergunta. E descobri que, sem o olhar do outro, eu me sentia em paz com minha decisão.
Sabia que era importante para minha saúde mental, ter a certeza que eles estavam seguros e amados, e que voltaria mais inteira para eles.
O que me deixava inquieta era imaginar o que diriam, os comentários que chegariam, a possibilidade de ser rotulada como “aquela mãe que viaja sem os filhos”.
Uma vez que identifiquei isso, pude trabalhar no problema de verdade: não minha relação com os meninos, mas minha relação com a aprovação do outro.
Reescrevendo o manual
Uma vez que compreendemos que a culpa é, em grande parte, uma construção do lado de fora, nasce a possibilidade de escrevermos nossas próprias regras.
E se pudéssemos reescrever esse manual invisível da maternidade? Como seria?
Talvez incluísse capítulos como:
- “Seu valor como mãe não se mede por sua capacidade de sacrifício”
- “”Autocuidado não é egoísmo, é ensinar pelo exemplo”
- “A maternidade é parte da sua identidade, não ela toda”
- “Os filhos precisam de mães felizes, não de mães perfeitas”
É possível ser mãe sem sentir culpa?
Uma pergunta difícil, hein?!
Talvez não completamente, mas é possível reduzir drasticamente a culpa ao identificar suas origens, questionar sua validade e alinhar suas escolhas com seus valores reais, não com expectativas de fora.
A libertação de uma mãe é perceber que podemos escrever nossas próprias regras. Que podemos filtrar as expectativas de fora e escolher quais servem para nossa família que é única..
E isso significa que, às vezes, sim, você vai decepcionar pessoas. E tá tudo bem.
A sogra pode não entender por que você contratou uma babá para ter uma noite de casal.
Sua colega pode erguer as sobrancelhas quando você mencionar que deixou os filhos com o pai para fazer uma viagem de fim de semana.
Deixe que falem. A boa é dos outros, mas a vida é sua.
Como sei se estou me cuidando ou sendo egoísta?
Esta é a pergunta que muitas mães me fazem, e a resposta é mais simples do que parece: o autocuidado te deixa mais plena e presente para seus filhos.
O egoísmo prejudica a família sem benefícios para ninguém.
A diferença está no equilíbrio e na intenção. Explico.
Quando você dorme bem, preserva seu espaço mental, busca momentos de prazer e realização pessoal, não está roubando algo de seus filhos… está mostrando a eles como viver uma vida plena.
A maternidade não precisa ser uma sentença de culpa perpétua.
Pode ser um caminho de autoconhecimento, crescimento e, sim, felicidade de verdade (não aquela felicidade de comercial de margarina).
Uma felicidade verdadeira que vem de viver alinhada com seus valores mais profundos.
💡Lembre-se: seus filhos não precisam de uma mãe perfeita. Precisam de uma mãe real. |
E ser real significa honrar todas as partes de quem você é (inclusive aquela que existe além da maternidade).
Uma mãe só tem algo para dar quando não está vazia. Cuide de si primeiro para ter o que oferecer aos seus filhos.
Priorize seu bem-estar, você merece. E seus filhos merecem uma mãe que sabe o próprio valor.
E você, já se libertou da culpa materna?
Me conta nos comentários qual foi o momento em que você percebeu que estava se culpando por algo que não precisava?
Ou qual decisão você toma hoje que antes te faria sentir culpada?
Sua história pode ser exatamente o que outra mãe precisa ler hoje..
Simmm e não…..
Mas eu realmente, muitas vezes com dor no coração, sim a gente sente isso muitas vezes, tive que priorizar o trabalho para que os filhos tivessem uma vida digna….porque o pai nunca teve aí para os filhos! E sim as coisas se misturam entre o que de fato eu sinto e a preocupação em como os outros julgarão, se bem que eu nunca me importei com o julgamento dos outros, porque afinal estes que nos julgam não pagam as nossas contas!!! E hoje adultos meus filhos todos tem muito orgulho da mulher que me tornei!!!
Parabéns, uma reflexão profunda e libertadora!!! Viva as mães que amam seus filhos sem abrir mão de serem mães e mulheres realizadas!!!