Carol Rache

Share

Outro dia me disseram que eu não deveria pintar meus fios brancos. Sabe quem disse isso? Foi uma galera que distorceu a liberdade.

Na tentativa de fugir da pressão do “você precisa esconder seus fios brancos”, acabaram caindo no outro extremo.
O problema? Enquadraram a liberdade num novo estereótipo. E, dessa forma distorceram esse conceito.

Para comunicar liberdade muitas pessoas acreditam que precisam caber em estereótipos que se opõem aos enquadramentos. Porém, muitas vezes, para sustentar essa oposição, acabam, sem perceber, se aprisionando.

Me lembro bem de uma pessoa que me escreveu dizendo ter vontade de fazer botox. Tinha vontade, mas faltava coragem. “Quem eu me torno, quando assumo minha vaidade?”

Ora, você se torna transparente. Se impulso da vaidade existe aí dentro, fingir que ele não existe só te faz mais “nobre” da boca fora. Por dentro, você continua prisioneira da sua própria moralização. Desenquadrou de um estereótipo, mas se enquadrou numa ideia de nobreza que te leva a construir outro.

É preciso reconhecer nossas pulsões sem moralizá-las. Temos direito de atender ou não, e de deliberar quando são nocivas. Essa ponderação é legítima e a sentença advinda dela é pessoal e intransferível. Contudo, é preciso lembrar que o não atendimento não mata o impulso, e que moralizar nossas vontades é, no fundo, uma hipocrisia.

Temos vontades nocivas? Sim, pode acontecer. E, nesse caso, é ato de autoamor genuíno não ser seduzido por elas. Mas negar a existências delas é mentir para parecer mais puro. E isso só nos leva a sustentar máscaras que atraem aplausos, mas que nada comunicam quem, em verdade, somos.

Se eu deixo de pintar meus fios por medo do que vão pensar de mim, estou presa na mesma armadilha daqueles que pintam os fios pelos outros, e não por si. Estereótipos nos escravizam – tanto os óbvios, quanto os sofisticados.

Se a decisão sobre o ato de esconder cabelos brancos vem de uma influência externa, é impositiva – não faz diferença se recomenda ou proíbe. E imposição e liberdade são palavras que não combinam juntas.

“Liberdade impositiva”. O termo, por si só, já denuncia a distorção.

Da mesma forma que ser escrava da tinta é nocivo, ser escrava do estereótipo desapego também é.
Sei que parar a vida porque a raiz branca cresceu é viver aprisionada pela minha imagem. Mas não atender o meu genuíno desejo de continuar sendo morena em prol da sustentação de uma imagem de liberdade que não está sintonizada com o que realmente pulsa dentro de mim é só uma prisão mais sofisticada, e menos óbvia.

Fico pensando: Condicionar a liberdade aos estereótipos faz muita gente, em nome da aceitação, esconder as próprias pulsões.E, oprimindo a verdade sobre quem somos, jamais seremos livres. Poderemos parecer libertos para o mundo, mas o impulso negado e reprimido sempre vai encontrar uma fresta para se manifestar.

O que é reprimido cresce, e o que é reconhecido pode ser curado. Nobre, de verdade, é ser corajoso o suficiente para assumir as próprias pulsões, e não criar um personagem baseado em formas disfarçadas de opressões.

Dizer o que não devo fazer é tão opressor quanto dizer o que devo. E, nesse sentido, tanto faz se o molde que me foi oferecido representa um ou outro extremo. Porque, no fim do dia, apesar de qualquer imposição vindas dos contextos que me cercam, a responsabilidade de conter a vontade do meu ego de ser o que esperam de mim e criar espaço para ser quem de fato sou, é só minha.

Diante de tantas ofertas de manuais de condutas, a reflexão necessária é:
Será que o aquilo que você chama de liberdade não é mais um tipo disfarçado de opressão?